sexta-feira, 1 de julho de 2016

CRÔNICA DA DOMINIQUE NUNES (FILHA DO KIKO)

CRÔNICA: A várzea ainda não morreu

Com quase 20 anos de existência, o 100% Beko é um dos times de futebol de várzea que se mantém em Porto Alegre

Meu pai, o Kiko, como é conhecido pela família e amigos, é um amante do futebol – assim como muitos brasileiros. Escolheu o Internacional como time do coração e da alma com cerca de oito anos de idade. A paixão era tanta que, de 1974 a 1976, chegou a jogar nas categorias infantil e infanto-juvenil do clube, ainda no antigo Estádio dos Eucaliptos.
O gosto pelo esporte o incentivou a fundar um time de várzea, que surge também da amizade cultivada entre ele e seus amigos do Conjunto Residencial IPÊ 1, no bairro Jardim do Carvalho, em Porto Alegre.  O 100% Beko nasce como equipe de futebol de salão, mas logo migrou para o campo, pois a procura de participantes foi grande. O nome é uma homenagem ao antigo Beco do Carvalho (atual Avenida Antônio de Carvalho), com a troca da letra “C” por ‘K’, para ser diferente. O símbolo do time é o cachorro da raça pitbull, representando a garra e pegada de todos que, segundo meu pai, nunca se entregam.
O primeiro fardamento foi um presente de um amigo próximo. Meias, calções e camisetas do Flamengo, peças que foram usadas por um ano inteiro, até que o 100% Beko confeccionasse a própria identidade. Em homenagem ao meu avô Homero, torcedor do Mengão, as cores preto, vermelho e branco permaneceram. E assim os jogos informais ganharam organização e comprometimento. Além de confraternizar e estreitar laços de camaradagem e de boa convivência, os jogadores do 100% Beko fazem do esporte um veículo de integração da sua comunidade com as outras que os circundam.















Em 1998, o time ainda usava uniforme do Flamengo.

Disputam partidas e campeonatos em duas categorias: a de Veterano, para jogadores de até 40 anos, e a de Master, para jogadores acima de 50 anos. Desde então, integram a Liga de Futebol Amador da Praça Darcy Azambuja (Intercap), onde já tiveram a felicidade de erguer, em diversas oportunidades, a taça de campeões. As vitórias foram tantas que meu pai não consegue enumerar, é difícil contar. Mas destaca: o time quase sempre acaba entre as cabeças de primeiro, segundo e terceiro lugar.
Lembro que a casa em que eu morava no IPÊ 1 já exercia a função de sede do time muito antes de tornar-se de fato. A máquina de lavar e o varal da minha mãe recebiam visitas regulares dos fardamentos dos jogadores. Eram camisetas, calções e meias por todo o lado. Todos numerados metodicamente pelo meu pai. Até que um dia ela deu um basta: “A máquina não vai aguentar tanto barro e areia. Cada um lava o seu na sua casa”. Durante um bom tempo uma das peças da residência era praticamente uma sala de troféus e medalhas. Eu morria de medo de chegar perto e derrubar tudo aquilo.
















O time coleciona taças e medalhas em quase 20 anos de existência. 

No início, o time se ergueu pelo patrocínio de um dos fundadores. Mas logo em seguida, por meio de rifas e galetos, arrecadava fundos para arcar com as despesas de campo, fardamento, juiz e outros gastos. A tática se mantém até hoje, mas com o adicional da roda de samba que acontece nas noites de sábado e domingo, na própria sede do time.
Seja morando em Sapucaia do Sul ou em Porto Alegre, meu pai faz questão de levantar cedo em pleno domingo para jogar. Hoje, com 55 anos, a agilidade e a disposição talvez não sejam as mesmas de 1997, mas ele continua a correr atrás da bola. Tem no corpo mais contusões e machucados que qualquer jogador profissional. Como diz a minha mãe: “É um ‘canela de ouro’”. Risos.
Kiko aproveita enquanto pode, pois, para ele, o futebol de várzea está à beira de acabar. Segundo ele, espaços como o Campo do Porto e o do Força e Luz foram vendidos e transformados em outros empreendimentos. O campinho ao lado do Colégio Murialdo de Porto Alegre logo será um estacionamento para a instituição. Há muito se fala entre os times e organizações que a várzea está morrendo, mas o 100% Beko, como moço de quase 20 anos, se mantém presente nos jogos enquanto houver bola rolando e areia pairando.

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